Iniciamos o ano falando sobre a guarda compartilhada, e seguiremos neste tema tendo em vista as importantes alterações legislativas ocorridas no final de 2023.
Estamos falando da Lei 14.713/2023, que entrou em vigor em 31 de outubro de 2023 e modificou o Código Civil, fazendo incluir impedimento para concessão de guarda compartilhada de crianças e adolescentes quando há risco de violência doméstica. A nova norma visa impedir que o genitor agressor tenha direito à guarda compartilhada. Em caso de risco de violência, será concedida a guarda unilateral ao genitor que não é responsável pela violência ou pela situação de risco.
As alterações reforçam a ideia de que a guarda visa assegurar de forma integral os melhores e superiores interesses das crianças e adolescentes, e, se a figura parental não demonstra capacidade protetiva para exercício da parentalidade responsável, não se mostra legitimado para o exercício da guarda (proteção e cuidado) dos filhos.
O risco de violência doméstica ou familiar a que se refere a lei diz respeito a qualquer uma das pessoas envolvidas no núcleo familiar, ou seja, primordialmente às crianças e adolescentes, mas também às mulheres.
O exercício da guarda compartilhada entre vítima e agressor obrigava a vítima de violência a continuar em contato com o agressor para tomar as decisões relacionadas aos filhos, o que contribuía para manutenção do ciclo da violência.
Além do que, o impacto da violência doméstica sobre as crianças é gigantesco e traz prejuízos que caracterizam, no mínimo, violência psicológica.
Pesquisas sobre o perfil das mulheres que sofrem violência doméstica no Brasil mostraram que 73% delas têm pelo menos um ou dois filhos, o que comprova que é preciso dar atenção às crianças em situação de violência doméstica, inclusive após o divórcio, momento crítico na dinâmica da violência.
Por estas e outras razões, as inovações trazidas pela Lei nº 14.713/2023 devem ser consideradas um avanço na luta contra a violência doméstica e proteção às crianças e adolescentes.
Além da alteração no Código Civil, foram introduzidas também alterações no Código de Processo Civil, mais especificamente na sistemática das audiências, sendo que, nas ações de guarda, antes de iniciada a audiência de mediação e conciliação, o juiz deverá perguntar às partes e ao Ministério Público se há risco de violência doméstica ou familiar, fixando o prazo de cinco dias para a apresentação da prova ou de indícios pertinentes. Se confirmada a violência ou o risco, será concedida a guarda unilateral ao genitor não responsável pela violência.
Portanto, a reforma legislativa acrescentou dispositivos relativos à violência doméstica nas regras sobre guarda compartilhada, trazendo maior segurança às partes e visibilidade ao tema nas Varas de Família.
O Brasil adotou a guarda compartilhada como modelo preferencial desde 2018 e há um consenso de que promover o contato com ambos os pais atende ao melhor interesse das crianças. No entanto, apesar do grande valor em se promover a cooperação entre os pais e o direito das crianças de viver com ambos os pais, a realidade se sobrepõe, sendo fundamental esta abordagem com perspectiva de gênero para os casos de guarda de crianças, o que, sem dúvida, estará em maior conformidade com as experiências vividas pelas mulheres e reivindicações deste grupo.
Por Michelle Maul Wuerges | Data de publicação 01/02/2024