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A legislação brasileira e a irresponsabilidade parental.

O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.584, §2º, estabelece que, na definição da guarda dos filhos, o juiz pode concedê-la unilateralmente a um dos genitores quando o outro expressar falta de interesse em exercer a guarda. O texto legal permite que um dos pais declare ao magistrado que não deseja a guarda, transferindo automaticamente essa responsabilidade ao outro genitor.

Embora essa previsão pareça facilitar a resolução de disputas sobre guarda, ela levanta sérias questões sobre a corresponsabilidade parental e o melhor interesse da criança.

Ao permitir que um dos pais simplesmente abdique da guarda sem maiores consequências, a legislação incentiva a irresponsabilidade parental.

A criação de um filho não deve ser tratada como uma escolha facultativa, mas sim como um compromisso indisponível e sem ressalvas.

O abandono afetivo já é uma realidade dolorosa para muitas crianças e adolescentes, e a possibilidade de um genitor renunciar formalmente à guarda pode reforçar esse problema. O impacto psicológico de uma rejeição explícita pode ser devastador, gerando insegurança emocional, baixa autoestima e dificuldades futuras na construção de vínculos afetivos.

Temos, no Brasil, uma cultura ainda muito tóxica de parentalidade, onde essa norma permissiva serve apenas para perpetuar desigualdades de gênero, uma vez que, na maioria dos casos, as mães acabam ficando com a guarda e arcando sozinhas com a criação dos filhos. Isso muitas vezes ocorre sem o devido suporte financeiro ou emocional do outro genitor, sobrecarregando as mulheres e reforçando um cenário de desigualdade estrutural.

Embora a guarda unilateral seja necessária em alguns casos, como em situações de violência doméstica ou negligência parental, permitir que um dos pais simplesmente declare seu desinteresse sem mecanismos mais rígidos de responsabilização, enfraquece a noção de que a parentalidade deve ser compartilhada.

Esse dispositivo legal também parece contradizer o princípio do melhor interesse da criança, que é protegido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela própria Constituição Federal.

A convivência familiar só deveria ser afastada para a própria proteção da pessoa em desenvolvimento, e não pela conveniência ou negligência dos genitores.

 A legislação deveria buscar formas de incentivar e garantir o envolvimento de ambos os genitores na criação dos filhos, seja por meio da guarda compartilhada sempre que possível, seja por mecanismos que assegurem a participação ativa de ambos na vida da criança.

Diante deste cenário, o §2º do artigo 1.584 do Código Civil demanda revisão legislativa, para evitar que a parentalidade seja tratada como uma responsabilidade descartável. Em vez de legitimar a renúncia de um dos pais, a lei deveria fortalecer a corresponsabilidade parental, garantindo que ambos os genitores cumpram seus deveres e assegurem o desenvolvimento saudável da criança, priorizando sempre seu bem-estar emocional e psicológico.

Por Michelle Maul Wuerges | Data de publicação 01/03/2025

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