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Família multiespécie, uma nova realidade social e jurídica.

A ideia de família vem se transformando ao longo do tempo, acompanhando as mudanças culturais, sociais e jurídicas. Um dos conceitos emergentes nesse cenário é o da família multiespécie, que reconhece a presença de animais de estimação como membros efetivos de uma unidade familiar. Essa nova configuração desafia noções tradicionais de família e levanta questões sobre direitos, deveres e implicações jurídicas relacionadas aos animais.

O número de animais de estimação aumenta cada vez mais nos lares brasileiros. Nota-se que nos primórdios da civilização os animais foram domesticados pelo homem para ajudá-lo em suas atividades diárias, bem como, auxiliar na defesa contra o inimigo. Posteriormente, tornaram-se os melhores amigos do homem, e atualmente, estão sendo considerados em algumas famílias brasileiras como um “filho de quatro patas”.

Na contemporaneidade, os animais de estimação deixaram de ocupar exclusivamente um papel utilitário ou de companhia e passaram a ser tratados como membros afetivamente integrados à família.

Estudos demonstram que o vínculo emocional entre humanos e animais pode ser tão significativo quanto as relações entre os próprios seres humanos. Cães, gatos e outros animais frequentemente são referidos como “filhos de quatro patas” ou “companheiros de vida”.

Esse fenômeno é impulsionado por mudanças nos estilos de vida urbanos, aumento da conscientização sobre direitos dos animais e a consolidação do papel dos pets no bem-estar emocional das pessoas.

A crescente aceitação da família multiespécie também provoca mudanças no direito, especialmente em temas como guarda de animais em casos de separação conjugal, herança, responsabilidade civil e questões de bem-estar animal.

Tendo em vista que as famílias dividem afeto, despesas e reponsabilidades na criação do pet e o inserem na vida do agrupamento, ultrapassado torna-se o entendimento de que os animais domésticos sejam considerados tão somente como bens, objetos de partilha.

Quando casais se divorciam ou terminam um relacionamento, surge a questão sobre quem ficará com o animal de estimação. Em diversos países, o direito começa a reconhecer os animais não apenas como bens móveis, mas como seres sencientes. Isso implica que as decisões sobre a guarda e convivência devem considerar o melhor interesse do animal, semelhante à abordagem em relação a filhos menores de idade.

Outro aspecto é a inclusão dos animais em testamentos e planos de herança. Em várias jurisdições, é possível designar recursos financeiros para o cuidado de um animal após a morte do tutor, garantindo seu bem-estar contínuo.

Os tutores de animais têm responsabilidades legais que envolvem o cuidado adequado, a prevenção de maus-tratos e a garantia de que os animais não causem danos a terceiros. Em contrapartida, a negligência ou o abandono podem acarretar sanções civis e penais.

Animais de estimação também estão no centro de debates sobre o direito à convivência em espaços privados e públicos, como condomínios, parques e transportes coletivos. Leis de convivência precisam equilibrar os interesses dos tutores, dos animais e da comunidade.

Embora a família multiespécie seja amplamente aceita em termos afetivos e culturais, há desafios em sua plena incorporação no ordenamento jurídico. Um dos principais debates é a necessidade de atualizar legislações que ainda tratam os animais exclusivamente como bens materiais.

Além disso, surge a preocupação de que a humanização excessiva dos animais possa desconsiderar suas necessidades biológicas e etológicas, o que demanda um equilíbrio entre o reconhecimento jurídico e o respeito à natureza dos animais.

A família multiespécie reflete uma transformação significativa nas relações entre humanos e animais, desafiando normas jurídicas tradicionais e propondo novos caminhos para a legislação contemporânea. O reconhecimento dessa configuração familiar pode não apenas fortalecer laços afetivos, mas também promover o bem-estar animal, integrando valores de respeito e cuidado em uma sociedade mais inclusiva e ética.

Por Michelle Maul Wuerges | Data de publicação 01/02/2025.

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