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Bebês Reborn: o Esvaziamento da Experiência Humana e os Desafios para o Direito e a Sociedade.

O fenômeno dos bebês reborn — bonecas hiper-realistas que reproduzem com impressionante fidelidade as feições e proporções de recém-nascidos — tem despertado atenção crescente nas redes sociais, nos meios de comunicação e, mais recentemente, no debate jurídico. Não obstante o apelo estético ou a intenção, por vezes terapêutica, que pode justificar sua existência em determinados contextos clínicos ou afetivos, é imprescindível reconhecer que se trata de um fenômeno limítrofe, cujos contornos simbólicos e práticos suscitam inquietações legítimas.

Parte das pessoas que adquirem esses artefatos o fazem movidas por experiências de perda gestacional, infertilidade ou solidão, buscando neles uma forma de elaborar afetos difíceis. Há, inclusive, profissionais da saúde mental que consideram o uso de bebês reborn como coadjuvante em processos psicoterapêuticos específicos. No entanto, fora desse escopo controlado, é possível observarmos um desvio progressivo em direção à substituição simbólica da criança real por sua representação inanimada, o que pode configurar não um gesto de elaboração, mas um mecanismo de evasão da realidade.

A despeito da grande repercussão que o tema tem ganhado — especialmente em redes sociais e canais que exploram o inusitado — é importante pontuar que não se trata, até o momento, de uma prática social disseminada. Trata-se de uma experiência bastante marginal, restrita a nichos muito específicos. De modo ilustrativo podemos dizer que, mesmo diante da popularidade aparente do assunto, é fato que, na experiência cotidiana, a maioria das pessoas jamais tenha tido contato próximo com alguém que possua ou interaja com um bebê reborn. A percepção de uma suposta normalização do fenômeno, portanto, parece derivar mais de um efeito de amplificação midiática do que de uma realidade social consolidada.

De qualquer maneira, no campo jurídico, o tema começa a exigir atenção. Situações em que a aparência realista dessas bonecas leva ao acionamento indevido de serviços públicos — como polícia, bombeiros ou assistência médica — abrem espaço para discussões sobre responsabilidade civil por dano emergente ou desperdício de recursos públicos. Ainda, há registros de utilização desses objetos em contextos enganosos, como tentativas de ludibriar terceiros, gerar comoção pública, monetizar atenção digital ou mesmo fraudar benefícios sociais, o que pode ensejar enquadramento em tipos penais como estelionato, falsidade ideológica e induzimento a erro.

Sob outro ângulo, a utilização da imagem de crianças reais como modelo para esses bonecos — muitas vezes sem autorização dos pais ou responsáveis — suscita preocupação quanto à proteção da personalidade infantil e à observância da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), especialmente no tocante ao tratamento da imagem de menores em contextos mercadológicos e virtuais. A extrapolação do uso privado para a exposição pública dos bebês reborn exige vigilância quanto aos limites entre o direito à liberdade artística e a tutela do bem jurídico da dignidade da infância, ainda que representada apenas simbolicamente.

Embora seja possível reconhecer que, em certos casos, a posse de um bebê reborn possa funcionar como instrumento de transição afetiva ou de elaboração de luto, é preciso cautela para que tal prática não se converta em substituto permanente da convivência humana, nem tampouco em produto de exploração estética da infância. A aceitação social irrefletida de tais objetos pode contribuir para a erosão de referências simbólicas fundamentais, como a diferença entre o vivo e o inanimado, entre a maternidade real e sua caricatura, entre a dor legítima e sua estetização midiática.

Em síntese, os bebês reborn não devem ser tratados com desprezo ou escárnio, mas tampouco podem ser normalizados ou romantizados sem reflexão crítica. Seu uso, quando legítimo, deve estar inserido em contextos cuidadosamente acompanhados e delimitados. Ao Direito cabe, neste momento, manter uma postura de atenção, buscando compreender as implicações práticas desse fenômeno emergente, com sensibilidade, mas também com firmeza diante de possíveis desvios e patologias sociais que, sob o véu da empatia, podem comprometer valores essenciais à convivência, à verdade e à saúde psíquica coletiva.

Por Michelle Maul Wuerges | Data de publicação 01/07/2025

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