A proteção das pessoas com deficiência, incluídas aquelas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), insere-se no rol dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988, notadamente a partir da promulgação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de emenda constitucional (Decreto n.º 6.949/2009). Tal convenção estabelece como premissa a promoção da inclusão social e o respeito à dignidade da pessoa humana, pilares que devem orientar a interpretação e a aplicação do direito infraconstitucional.
No que tange à tutela laboral do genitor ou responsável legal por pessoa autista, destaca-se o direito à redução da jornada de trabalho, sem prejuízo da remuneração, como mecanismo de concretização do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e do direito à saúde e à assistência especial à pessoa com deficiência (art. 6º e art. 227 da CF).
A Lei n.º 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, reconhece expressamente os autistas como pessoas com deficiência, conferindo-lhes, portanto, os direitos decorrentes da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 13.146/2015).
Nesse contexto, a Administração Pública, por meio de normas infralegais, tem regulamentado a matéria. Um exemplo paradigmático encontra-se na esfera federal, com o disposto no art. 98, §3º, da Lei n.º 8.112/1990, que assegura ao servidor público federal o direito à redução da jornada de trabalho, sem compensação, para acompanhamento de filho com deficiência, mediante comprovação por junta médica oficial.
Ainda que a previsão legal mencionada seja dirigida ao funcionalismo público federal, a jurisprudência pátria tem reconhecido, inclusive na seara celetista, a possibilidade de extensão desse direito com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção integral da criança e da proporcionalidade, sobretudo quando demonstrada a imprescindibilidade da presença do genitor no acompanhamento terapêutico da criança com TEA.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou no sentido de que é dever do Estado e da coletividade garantir os meios necessários à efetiva inclusão e cuidado da pessoa com deficiência. A ausência de regulamentação específica para o trabalhador celetista, nesse aspecto, não pode servir de óbice para a concretização dos direitos fundamentais, cabendo ao Judiciário, em casos concretos, determinar a redução da jornada.
Importante mencionar que a implementação da redução da jornada, sem prejuízo da remuneração, deve ser precedida de comprovação robusta quanto à condição do dependente e à necessidade de cuidados intensivos e contínuos. É recomendável a apresentação de laudos médicos e terapêuticos, bem como relatório circunstanciado que demonstre a importância da presença do genitor no acompanhamento do tratamento.
Por fim, é necessário afirmar, com a força da razão jurídica e a sensibilidade que o tema impõe, que a negativa patronal injustificada ao pleito de redução da jornada — quando este se apresenta amparado em provas idôneas e na urgência do cuidado — transcende os limites da legalidade e adentra o campo da violação de direitos personalíssimos. Negar ao genitor o tempo necessário ao acompanhamento de um filho com deficiência é subtrair-lhe não apenas horas de trabalho, mas parcelas da própria humanidade. É esquecer que o tempo dedicado ao cuidado é também tempo de construção da dignidade e da vida plena, como exige o texto constitucional. Nesses casos, o Poder Judiciário deve ser instado a restaurar o equilíbrio, porque, em última análise, o que se reivindica não é um privilégio, mas o exercício concreto da empatia transformada em direito.
Por Michelle Maul Wuerges | Data de publicação 01/05/2025.