A chamada “PEC do Estupro” voltou a ter repercussão em nosso país recentemente e merece nossa atenção. A PEC 164/2012, apelidada de PEC do Estupro, é uma Proposta de Emenda Constitucional que busca alterar o artigo 5º da Constituição Federal para incluir a inviolabilidade do direito à vida “desde a concepção”. Ao propor a proteção absoluta à vida desde a concepção, a medida visa proibir o aborto em qualquer circunstância, incluindo os casos hoje legalmente permitidos, como gravidez decorrente de estupro, risco de vida para a gestante ou anencefalia fetal.
Se aprovada, a PEC proibiria qualquer tipo de aborto, inclusive em situações extremas, além de impactar em procedimentos como fertilização in vitro e pesquisas com células-tronco.
Críticos argumentam que a medida desrespeita os direitos das mulheres e representa um grave retrocesso em saúde pública, especialmente num país onde a violência sexual é um problema recorrente.
A PEC ignora por completo contextos sociais e de saúde pública, como os impactos do aborto clandestino e as altas taxas de violência sexual no Brasil.
De acordo com o Atlas da Violência de 2024, foram registrados mais de 73 mil casos de estupro ou estupro de vulnerável no país no último ano, um aumento de 8% em relação ao ano anterior. Destes, cerca de 61% das vítimas eram crianças e adolescentes, evidenciando a vulnerabilidade desta faixa etária.
A proposta tem gerado intensos protestos de organizações de direitos humanos e especialistas em saúde. Especialistas alertam que obrigar vítimas de estupro, incluindo crianças, a manterem a gestação agravaria o trauma psicológico e colocaria suas vidas em risco, além do que, a proposta viola direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e a autonomia das mulheres sobre seus corpos. E ainda, há preocupações de que, se aprovada, a PEC possa levar mulheres a recorrerem a abortos clandestinos, aumentando os riscos de mortalidade materna.
A PEC reforça estruturas de controle sobre o corpo feminino, perpetuando o machismo estrutural. O Estado, ao priorizar a proteção absoluta do embrião, estaria ignorando as complexidades das situações enfrentadas pelas mulheres, especialmente em um contexto de violência e desigualdade.
Atualmente, o texto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e seguirá para análise em uma comissão especial antes de ir a plenário
A proposta revela uma estratégia de setores conservadores do governo, que, ao incluir o aborto em uma proposta constitucional, estariam dificultando futuras mudanças legais.
A PEC do Estupro não é apenas uma proposta legislativa; é um reflexo de um embate mais amplo sobre os rumos da política de direitos humanos no Brasil, colocando em jogo questões de saúde, igualdade de gênero e separação entre religião e Estado.
Por Michelle Maul Wuerges | Data de publicação 01/01/2025