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Afinal, o companheiro é herdeiro necessário ou não?

A questão da sucessão do companheiro no Brasil envolve particularidades legais e jurisprudenciais que tornam o tema complexo. Diferentemente do cônjuge (marido ou esposa), que é reconhecido expressamente como herdeiro necessário pelo Código Civil (art. 1.845), o companheiro não possui essa mesma posição privilegiada e, portanto, não integra o rol legal dos herdeiros necessários.

Pelo Código Civil vigente (por enquanto) os herdeiros necessários são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Contudo, a jurisprudência tem evoluído para garantir certos direitos aos companheiros, visando proteger suas expectativas patrimoniais.

O Código Civil de 2002 disciplina a sucessão da união estável de forma distinta da sucessão entre cônjuges. O art. 1.790 do Código Civil estabelecia que o companheiro teria direitos sucessórios apenas sobre bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e sua participação na herança dependeria da concorrência com outros herdeiros, como filhos e ascendentes. Porém, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2017, ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) 878.694, declarou a inconstitucionalidade do artigo 1.790, afirmando que o companheiro deveria ter os mesmos direitos sucessórios do cônjuge, de forma igualitária, em relação a todos os bens deixados pelo falecido, e não apenas aos adquiridos durante a união.

Essa decisão do STF equipara os direitos do companheiro aos do cônjuge, eliminando o tratamento discriminatório que limitava os direitos sucessórios na união estável. Dessa forma, com a inconstitucionalidade do art. 1.790, passou-se a aplicar ao companheiro as regras dos artigos 1.829 e seguintes do Código Civil, que tratam da sucessão do cônjuge.

Por outro lado, o companheiro ainda não é considerado pela lei como herdeiro necessário, o que significaria que o falecido pode dispor livremente de metade de seu patrimônio (a chamada “legítima”) em favor de terceiros, desde que respeite a parte destinada aos descendentes, ascendentes e cônjuge. Essa liberdade, contudo, tem gerado debates no âmbito jurídico, pois há quem defenda que, com a equiparação dos direitos sucessórios, o companheiro deva ser também reconhecido como herdeiro necessário.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) têm desempenhado papel crucial na uniformização de entendimentos, mas questões como esta ainda permanecem controversas.

Não bastasse, tramita no Congresso Nacional uma proposta de reforma do Código Civil que pode impactar significativamente nos direitos sucessórios do cônjuge e, por consequência, do companheiro em união estável. Uma das principais mudanças em discussão é o possível afastamento do cônjuge como herdeiro necessário, permitindo que o falecido disponha livremente de todo o seu patrimônio por meio de testamento, sem a obrigatoriedade de destinar metade do patrimônio aos descendentes, ascendentes e cônjuge, como ocorre atualmente.

Se aprovada, essa reforma alteraria a essência da legítima, que atualmente protege os herdeiros necessários, e conferiria maior liberdade ao testador para decidir o destino de seu patrimônio. Para o companheiro, que teve seus direitos sucessórios equiparados aos do cônjuge pela decisão do STF em 2017, essa mudança traria um impacto direto, uma vez que, na ausência de herdeiros necessários, o companheiro deixaria de herdar automaticamente parte do patrimônio em caso de testamento.

A reforma visa modernizar e flexibilizar o sistema sucessório, permitindo que o testador tenha autonomia total sobre sua herança, de acordo com suas preferências. No entanto, a proposta é controversa, pois, se de um lado aumenta a liberdade patrimonial, de outro pode deixar desprotegidos cônjuges e companheiros, especialmente aqueles em relações de longa duração ou com dependência financeira.

Vemos que a sucessão na união estável no Brasil evolui, mas ainda há incertezas e disputas legais. O reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1.790 pelo STF foi um marco que igualou companheiros e cônjuges em direitos sucessórios, mas a não inclusão do companheiro no rol legal de herdeiros necessários pode ainda gerar insegurança patrimonial. A melhor forma de proteger o companheiro é o planejamento sucessório, como a elaboração de testamento ou um contrato de convivência que estabeleça de forma clara os direitos patrimoniais e sucessórios.

Por Michelle Maul Wuerges | Data de publicação 01/11/2024

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