A vida humana não é perene, embora possa ser abundante, mas, pelos desígnios do tempo, para alguns, por obra do acaso, por mais dias, para outros menos afortunados, por menos dias, acontece que, no curso normal da vida a nossa existência física um dia termina, ficando nossos herdeiros e aqueles que nos são afetivamente próximos, além da nossa herança material e imaterial.
Nossos pertences acumulados durante nossa vida, seja qual for o seu valor material ou afetivo, um dia serão transmitidos aos nossos herdeiros.
Mas apesar desta única certeza humana, temos ainda um grande tabu em falar da morte, principalmente atrelada ao patrimônio. Trata-se de um tema sensível e indesejado, porém, precisamos falar sobre.
A ideia de planejamento patrimonial e sucessório vem sendo discutido e tem ganhado espaço no universo jurídico, porém ainda é tímida perante a comunidade em geral.
A expressão planejamento sucessório consiste num conjunto de projeções realizadas em vida, para serem cumpridas como manifestação de um querer especial, sobrevindo a morte do idealizador, sendo então cumprida sua vontade em sintonia com seus antecipados desígnios, tudo com vistas ao bem comum de seus herdeiros.
Com o planejamento sucessório, objetiva-se evitar conflitos, assegurar que aspirações fundamentais da vida da pessoa sejam executadas após o seu falecimento, garantir a continuidade de empresas e negócios, permitir uma melhor distribuição da herança entre os sucessores, bem como buscar formas de gestão e de transmissão do patrimônio que tenham a menor carga tributária possível.
Muitos pensam que, por não possuírem grandes riquezas não precisam se preocupar com tal planejamento em vida, seus herdeiros que resolvam após a sua morte, porém, existem aspectos do planejamento sucessório que ultrapassam o campo estritamente patrimonial.
O planejamento sucessório é uma prática essencial para garantir que, após nossa ausência, nossos familiares sejam amparados da melhor maneira possível, como é o caso de filhos menores ou deficientes.
A preocupação com a proteção de herdeiros menores ou com deficiência pode ser resolvida por meio da elaboração de um testamento.
De fato, não raro, pessoas vivenciam mais de um relacionamento ao longo de suas vidas e têm filhos de diferentes idades. Além disso, a angústia com o futuro de descendentes portadores de deficiência é recorrente, considerando a necessidade de zelo constante, bem como de recursos financeiros por vezes expressivos, em virtude de tratamentos e terapias que proporcionam melhores condições de vida e desenvolvimento para os portadores de deficiência.
Tal preocupação pode surgir também para casais divorciados, quando em caso de morte o patrimônio herdado pelo filho menor será gerenciado pelo ex-cônjuge, o que pode ser um pesadelo para muitos.
Uma importante disposição testamentária para os casos acima seria aquela que nomeia tutor ao filho menor. Com efeito, os filhos menores são postos sob o regime de tutela uma vez falecidos os pais (ambos os pais), respeitando-se a ordem de vocação estabelecida em lei, que muitas vezes podem não ser as pessoas mais próximas afetivamente ou mais indicadas para o exercício de tal múnus. Portanto, sendo certo que a escolha de tutor compete aos pais, ela pode ser realizada pela via do testamento. Vale registrar que os pais podem, por força do testamento, não só nomear o tutor para seus filhos menores, como fixar os valores destinados ao atendimento das necessidades do pupilo.
Por meio de testamento é possível também nomear curador para a administração dos bens deixados aos filhos menores ou deficientes, não obstante o poder familiar dos pais ou os poderes inerentes ao exercício da tutela. Portanto, nomeia-se um curador específico para a administração dos bens do menor, afastando aquele que teria a gestão de seu patrimônio, para confiá-la à pessoa especialmente designada para tanto. Dessa forma, quando um menor é herdeiro ou legatário, apesar de estar sob o poder familiar ou sob regime de tutela, poderá ter os bens que lhe sejam destinados submetidos à administração de um curador especial nomeado em testamento. Uma mãe, por exemplo, que tenha restrições fundadas à gestão paterna, poderá designar um curador especial para administrar os bens que venha a deixar para seu filho, o mesmo podendo ocorrer em caso de designação de tutor, quando o genitor entenda que, apesar da nomeação daquele que desempenhará a tutela, a administração de determinados bens caberia melhor à pessoa designada especialmente para tanto.
O planejamento sucessório com a nomeação de um curador para administrar os bens de filhos menores é uma parte crucial da proteção patrimonial e da segurança financeira das gerações futuras. Ao abordar essa questão de maneira cuidadosa e legalmente sólida, os pais podem garantir que seus filhos sejam bem cuidados e que seus desejos sejam respeitados após sua morte.
Portanto, nesse momento em que o planejamento sucessório está entrando na ordem do dia, havendo muitas informações difundidas sobre a matéria, levando muitas vezes à errônea percepção de que apenas caminhos mais complexos constituirão soluções para tanto, é necessário descortinar as virtudes do testamento, que se constitui em instituto de fácil elaboração, que não enseja despojamento de patrimônio pelo titular, podendo, ainda, ser mudado a qualquer tempo.
Por Michelle Maul Wuerges | Data de publicação 01/07/2024