Com o reconhecimento de que a parentalidade não tem origem exclusiva no vínculo biológico, mas também pode surgir da afetividade, a chamada parentalidade socioafetiva, já tratada no texto anterior, surge a dúvida sobre a possibilidade de coexistência entre parentalidade biológica e afetiva simultaneamente.
Tal dúvida foi sanada pelo Supremo Tribunal Federal, no tema 622, que definiu a tese que autoriza a existência de multiparentalidade.
Agora passa a ser possível a existência de filiação com dois ou mais pais, ou duas ou mais mães.
A conclusão alcançada, foi corajosa e ousada, na medida em que exprimiu clara ruptura com o dogma segundo o qual cada pessoa tem apenas um pai e uma mãe.
Em um campo tão delicado como o da família, cercado de preconceitos de origem religiosa, social e moral, o reconhecimento da multiparentalidade deve ser visto como um grande avanço, que respeita o direito do indivíduo de ter em seu assento de nascimento o espelho de sua família, garantindo assim a formação e desenvolvimento de sua identidade pessoal.
Cabe destacarmos ainda que a multiparentalidade pauta-se na igualdade das parentalidades biológica e socioafetiva, não havendo entre elas vínculo hierárquico, uma vez que, uma não se sobrepõe a outra, devendo coexistirem harmoniosamente e em pé de igualdade de direitos e deveres.
Contudo, apesar de se tratar de um grande avanço, o reconhecimento da multiparentalidade traz numerosas e profundas consequências, não apenas para o Direito de Família, mas também para muitos outros campos jurídicos, como o Direito Previdenciário e o Direito das Sucessões.
Há ainda, como é natural, muitíssimas perguntas em aberto, como por exemplo, se uma pessoa pode receber herança de dois pais; se em caso de óbito sem descendentes, os ascendentes, em caso de multiparentalidade, receberão quinhões iguais; ou ainda, se um filho poderá receber pensão previdenciária de dois pais, em caso de óbito destes, entre tantos outros questionamentos práticos que ainda surgirão.
Apesar das questões em aberto, o que podemos concluir, por ora, é que, a decisão do STF não fechou os olhos para realidade e cuidou de acolher todas as diferentes formas de família que já existem na prática e que não se enquadram necessariamente nos modelos fechados que constam das nossas leis e dos nossos códigos e por isso, merece aplausos.
Por Michelle Maul Wuerges | Data de publicação 01/02/2023